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Mobicidade lança aplicativo “Dá pra atravessar?”

Recurso visa a colher dados dos pedestres sobre dificuldades na travessia de vias de Porto Alegre.

O imbroglio envolvendo o Executivo Municipal e a Câmara de Vereadores, em relação ao projeto de lei que determinava o tempo de 30 segundos na travessia de ruas e avenidas em Porto Alegre, e que acabou por não ser regulamentado, motivou a criação de um aplicativo que analisa se é real ou não a demanda por mais tempo de sinal verde para quem caminha na cidade. A Mobicidade, associação que luta pelos direitos de ciclistas, pedestres e usuários do transporte público, lança hoje o aplicativo web “Dá pra atravessar?”, que analisa a segurança e facilidade para percorrer a pé dezenas de cruzamentos da cidade.

Captura de tela de 2015-04-21 16:40:36

Utilizando como base a plataforma OpenStreetMap, o aplicativo permite que o usuário possa escolher um ponto de travessia e avaliar a segurança existente (de 1, extremamente inseguro até 7, extremamente seguro), além de particularidades que podem complicar a travessia: tempo muito curto para atravessar, espera muito longa para que a sinaleira abra para o pedestre, distância entre pontos de travessia que alongam o trajeto do pedestre, e travessia com várias etapas fora de sincronia entre as sinaleiras (no caso, por exemplo, de corredores de ônibus).

Os 94 pontos foram escolhidos com base no levantamento feito pelo gabinete do vereador da Capital Marcelo Sgarbossa (e que serviram de base para a elaboração do projeto de lei dos 30 segundos) e enviados ao Ministério Público Estadual (MPE) para análise. “O MPE repassou esses pontos para a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação) e pediu que ela os analisasse. A EPTC aumentou o tempo de travessia em alguns deles e disse que nos demais o tempo era suficiente”, explica Augusto Bennemann, Coordenador de Soluções em Tecnologia da Mobicidade e responsável pela elaboração do aplicativo. Justamente por isso, os pontos no mapa podem estar classificados entre travessias “com tempo aumentado”, “não modificado” ou, ainda, sugeridos por usuários da ferramenta.

“Com os dados coletados por meio do app, vamos poder, inclusive, comparar a análise dos usuários com dados de atropelamentos ocorridos, o que pode intensificar e legitimar a necessidade de um olhar mais cuidadoso sobre o pedestre por parte do poder público, ou comprovar, nos pontos onde houve aumento do tempo de travessia, uma diminuição de ocorrências decorrente da medida”, observa Bennemann.

EPTC apresenta resposta para problemas de travessias de pedestres

Nesta segunda-feira, a Mobicidade participou de audiência no Ministério Público (MP-RS) sobre os problemas em travessias para pedestres, referente ao processo PR.00958.00101/2015-4. Na reunião tomamos conhecimento do ofício (abaixo), enviado pela EPTC anunciando a extensão do tempo de travessia em 37 dos 107 semáforos listados como problemáticos pela população.  Em outros 39 pontos a EPTC não fez quaisquer modificações por acreditar que o tempo atual é suficiente para que a travessia seja realizada com segurança.

 

Nos oito pontos cuja reclamação era o tempo de espera até que abra o sinal verde para os pedestres, a EPTC não realizou modificações com a justificativa de que o “instante da travessia leva em conta o ciclo semafórico (obtido da relação da capacidade de acúmulo veicular x volume de tráfego) e o sincronismo dos cruzamentos próximos a fim de não causar maiores congestionamentos garantindo a segurança dos pedestres” e que “a diminuição do ciclo nos horários de pico aumentaria o acúmulo de veículos bem como do transporte coletivo prejudicando a maioria e induzindo o desrespeito ao sinal vermelho por mais condutores”. A mesma justificativa se aplicou aos 17 pontos onde houve reclamações sobre travessia de pedestres em duas etapas, “porque o tempo de verde necessário para executá-la seria o dobro do existente hoje em cada sentido”.

 

É do entendimento da Mobicidade que a justificativa dada pela EPTC não tem base legal, uma vez que a Política Nacional de Mobilidade Urbana (LEI Nº 12.587, DE 3 DE JANEIRO DE 2012) estabelece a prioridade dos não-motorizados sobre os motorizados.  Entendemos também que qualquer possível prejuízo ao transporte público pode ser solucionado com faixas exclusivas para ônibus, notoriamente nas seguintes vias mencionadas como problemáticas para a travessia de pedestres, por terem amplo espaço e trânsito de coletivos:
  • Sarmento Leite entre Viaduto da Conceição e Loureiro da Silva (fazendo ligação com possíveis faixas exclusivas no Viaduto da Conceição e na Loureiro da Silva);
  • Avenida Loureiro da Silva;
  • Avenida Borges de Medeiros;
  • Avenida Ipiranga;
  • Avenida da Azenha;
  • Avenida Pernambuco;
  • Avenida Independência sentido centro-bairro;
  • Avenida Nilo Peçanha;
  • Avenida Grécia.

 

 As demais avenidas citadas como tendo longo tempo de espera para travessia de pedestres (Protásio Alves, Sertório, Carlos Gomes, Assis Brasil e Osvaldo Aranha) já possuem corredor de ônibus e portanto o impacto no sistema de transporte coletivo seria irrisório. Nas vias que possuem corredor de ônibus central, o tempo do semáforo para o corredor nem precisaria ser modificado.

 

Outro argumento utilizado pela EPTC é que dar prioridade ao pedestre ao efetuar o cálculo de tempo das travessias e do tempo de espera, e conseqüentemente aumentar o tempo de espera para os veículos, “induz o desrespeito ao sinal vermelho por mais condutores” e que isso aumentaria o risco para os próprios pedestres. O que não dizem é que longos tempos de espera também induzem pedestres a desrespeitar o sinal vermelho, aumentando a probabilidade de atropelamentos. Um estudo¹ revelou que travessias complexas, em mais de uma fase, e com longos tempos de espera estão associadas com uma mais alta porcentagem de pessoas cruzando no sinal vermelho. Já outro estudo² aponta que pedestres atropelados ao cruzar no sinal vermelho tem 56% mais de chances de se ferir gravemente do que aqueles que foram atropelados ao cruzar no verde. Só podemos concluir então que no sentido de maior segurança para os pedestres, o argumento da EPTC não faz o menor sentido.

 

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O que percebemos é que a EPTC ainda vem agindo com  uma visão ultrapassada, carrocentrista, em desacordo até mesmo com a legislação federal, ao custo de centenas de vidas todo ano.

 

Confira abaixo o documento apresentado pela EPTC.
 
¹ – Duduta, N., Q. Zhang, M. Kroneberger. 2014. Impact of Intersection Design on Pedestrians’ Choice to Cross on Red. Transportation Research Record.
 
 

Nota de Repúdio à culpabilização dos pedestres pela Secretaria Municipal de Saúde, EPTC e Jornal Metro

A Mobicidade vem por meio desta carta, manifestar seu repúdio à posição da EPTC e da Secretaria Municipal de Saúde, por meio do projeto “Vida no Trânsito” e que foi veiculada de forma irresponsável no Jornal Metro na edição da última quarta-feira, 25 de fevereiro, entitulada “Sinal vermelho à distração”.

Ao afirmar a “Distração dos pedestres é a principal causa por trás dos atropelamentos na capital” (capa) e “Não são os carros, nem os ônibus nem as motos. É a distração a principal ameaça aos pedestres no trânsito” EPTC, SMS e o Jornal Metro estão eximindo os motoristas de responsabilidade. Na realidade é o motorista o maior responsável pela segurança de quem está fora do veículo, já que é ele que está trazendo o elemento de risco para as ruas, pois não existiria risco de vida para os pedestres sem a presença de um veículo de uma tonelada se deslocando em velocidade incompatível com a segurança.

Matéria no jornal Metro responsabiliza os pedestres pelo seu infortúnio (clique na imagem para ler).
Matéria no jornal Metro responsabiliza os pedestres pelo seu infortúnio (clique na imagem para ler).

 

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MP investigará possíveis violações ao Plano Diretor de Porto Alegre pela EPTC

Cruzamento da Rua Santo Antônio: denúncia foi feita após polêmica nas redes sociais.
Cruzamento da Rua Santo Antônio: denúncia foi feita após polêmica nas redes sociais.

A Mobicidade denunciou a EPTC ao Ministério Público por instalar placas proibindo a travessia de pedestres nos cruzamentos da Avenida Independência com as ruas Garibaldi e Santo Antônio, na área central de Porto Alegre. Ao instalar essa sinalização a EPTC estaria infringindo o artigo 6º do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) que prevê prioridade para os pedestres no planejamento urbano.

O Ministério Público, através da Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, abriu o inquérito civil IC.01202.00154/2014 para apurar as denúncias e averiguar as possíveis violações do PDDUA.

A proibição da travessia de pedestres para privilegiar o fluxo de veículos particulares estaria violando os dois primeiros ítens do artigo 6º do PDDUA, que afirma:

Art. 6º A Estratégia de Mobilidade Urbana tem como objetivo geral qualificar a circulação e o transporte urbano, proporcionando os deslocamentos na cidade e atendendo às distintas necessidades da população, através de:
I – prioridade ao transporte coletivo, aos pedestres e às bicicletas;
II – redução das distâncias a percorrer, dos tempos de viagem, dos custos operacionais, das necessidades de deslocamento, do consumo energético e do impacto ambiental;

É do entendimento da Mobicidade que a proibir a travessia de pedestres por conta da conversão de veículos particulares — uma vez que nenhuma linha de ônibus faz essas conversões — é não dar a devida prioridade ao pedestre, o que acaba fazendo com que o mesmo tenha que percorrer distâncias maiores, violando portanto os dois itens.

Com ou sem os 30 segundos, priorizar o pedestre é urgente

Jornal Metro, 29 de abril de 2014
Metro, 29/4/2014

 

Embora possa-se discordar se o teste do tempo mínimo de 30 segundos para a travessia de pedestres nos semáforos — que levou o prefeito José Fortunati a anunciar que iria vetar a emenda — foi feito da maneira mais apropriada, não resta dúvida que as pessoas que caminham por Porto Alegre acham que o tempo para travessia em grande parte dos semáforos é insuficiente, tendo havido diversos testemunhos na mídia e nas redes sociais de pedestres que não conseguem atravessar a rua no tempo estipulado atualmente e até mesmo de motoristas de táxi e de ônibus que acham que o tempo para pedestres é pouco. Isso mostra que os parâmetros técnicos utilizados pela EPTC não são apropriados à nossa realidade e ao conceito de cidade para as pessoas.

É preciso uma reavaliação desses parâmetros de modo a colocar a segurança do pedestre acima do mero fluxo de veículos. Isso pode ser feito através de leis, ou pode ser feito apenas com a decisão do prefeito e do Secretário Municipal de Transportes de humanizar o trânsito e adotar outra série de medidas. Enquanto associação e representante da sociedade civil, a Mobicidade tem interesse em participar desse urgente debate – o tempo que perdemos é medido em vidas.

Entretanto, é ilusão pensar que é possível qualificar o trânsito de pedestres sem qualquer tipo de impacto no trânsito de automóveis, pois o fluxo rápido de um grande número de carros particulares é incompatível com a segurança e priorização do pedestre. A cidade precisa fazer escolhas.

Acreditamos que a implementação de uma política favorável ao pedestre tem que ser acompanhada de políticas de incentivo ao transporte coletivo e ao uso da bicicleta. Se houvesse faixas exclusivas para ônibus em avenidas como Loureiro da Silva, Borges de Medeiros, Salgado Filho, Ipiranga, Azenha e Mauá, o impacto negativo do tempo extendido para pedestres no deslocamento do transporte coletivo seria muito reduzido.

Jornal Metro, 30 de abril de 2014.
Metro, 30/4/2014.

Mas isso faria com que os impactos fossem ainda maiores no trânsito de automóveis particulares — essa é a escolha que precisa ser feita. Vamos ficar nos preocupando em garantir a fluidez de um imenso número de carros, que raras vezes transportam mais de uma pessoa, ou vamos nos focar em construir uma cidade agradável para as pessoas, com foco no trânsito de pedestres, ciclistas e transporte coletivo? Esse último é o modelo mais moderno de cidade, que está sendo adotado nas grandes cidades de todo o mundo, e é o modelo que já prevê o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre, que diz:

“A Estratégia de Mobilidade Urbana tem como objetivo geral qualificar a circulação e o transporte urbano, proporcionando os deslocamentos na cidade e atendendo às distintas necessidades da população, através de:

  1. prioridade ao transporte coletivo, aos pedestres e às bicicletas;”
Jornal Metro, 30 de abril de 2014
Jornal Metro, 30/4/2014

A grande questão, que ainda falta ser compreendida por parte da população e veículos de comunicação, é que o trânsito de automóveis particulares se auto-regulamenta: se fica muito complicado ir de carro a determinada área da cidade, torna-se mais atrativo usar o ônibus, a bicicleta ou caminhar, e dessa maneira muitos migram de modal e passam a deixar o carro na garagem, até o ponto em que o fluxo de automóveis vai ter uma velocidade aceitável novamente.

Se queremos um trânsito mais eficiente, seguro e humano, precisamos quebrar paradigmas e ter coragem de enfrentar algumas complicações no curto prazo, que trarão enormes benefícios no longo prazo.