Alexandre Haubrich – Jornalismo B
A terça-feira em Porto Alegre foi de teste de uma regra que poderia garantir pelo menos 30 segundos para que os pedestres atravessem as ruas. A quarta-feira foi de manchetes que, em outras palavras, garantem: a culpa dos congestionamentos é de quem anda a pé. Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio e Metro noticiaram um caos que, segundo ele, foi causado pelo teste, tentando enterrar, junto com o prefeito José Fortunati (PDT) e o diretor da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Capellari, a possibilidade de que quem anda a pé na capital gaúcha tenha pelo menos 30 segundos para atravessar as ruas.
A ideia partiu de uma emenda proposta pela bancada do PT – construída pelo gabinete do vereador Marcelo Sgarbossa (PT) – ao Estatuto do Pedestre, de autoria do vereador Nereu D’Ávila (PDT), aprovado na Câmara de Vereadores em fevereiro. Fortunati já anunciou que vai vetar a emenda, em um movimento que já ficava claro nos dias pré-teste. Na terça (29) a emenda foi posta em teste, e o resultado alardeado foi de “caos” no trânsito. Vejamos as manchetes ou chamadas de capa:
Zero Hora – “Se engarrafa nos 30 – Porto Alegre testou por algumas horas programar em meio minuto as aberturas das sinaleiras de pedestres. O resultado foi polêmico”
Correio do Povo – “Os 30 segundos que pararam Porto Alegre – Teste em sinaleiras causou uma série de engarrafamentos na Capital”
Jornal do Comércio – “Teste de tempo nas sinaleiras causa caos na capital”
Metro – “Parou tudo – Teste de proposta que obriga tempo mínimo de 30 segundos para os pedestres, nas sinaleiras, congestiona o trânsito da Capital”
Todos os quatro jornais trazem na forma de noticiar o resultado uma posição clara de culpabilização do teste pelos engarrafamentos. Não consideram que todos os sintomas que destacam – “engarrafamentos”, “caos”, “congestionamento” – são cotidianos em Porto Alegre, com ou sem a regra dos 30 segundos. Zero Hora não traz foto na capa a respeito desse tema, mas as fotografias publicas por Correio do Povo, Jornal do Comércio e Metro, que mostram carros enfileirados em engarrafamentos, poderiam perfeitamente ter sido feitas em qualquer dia da semana. Uma foto do Metro mostra inclusive uma infração de trânsito, com um carro parado sobre uma faixa de segurança. A bancada do PT divulgou uma nota na qual critica a forma como o teste foi conduzido, manifestando estranheza por algumas opções da EPTC. Mas, para os jornalões, a culpa é do pedestre e de quem quer possibilitar a quem anda a pé um pouco mais de tempo para passar pelo local que se transformou altar sagrado dos carros particulares: a rua.
Há toda uma construção discursiva da velha mídia em torno de um velho modelo de cidade. O “carrocentrismo” conduz o olhar desse setor midiático. Quando ciclovias são construídas, mesmo que de forma absolutamente limitada, o discurso é de ataque à redução de faixas para os carros ou de locais de estacionamento. Se as ciclovias são construídas sobre calçadas, por outro lado, não há problema. É o mesmo discurso que se aplica ao caso em questão, que se conecta diretamente com os setores de classe média que operam socialmente a partir de um senso comum conservador, repelente a mudanças e que se apega a seus bens e seus usufrutos individuais, sem pensar coletivamente e sem perceber como o atropelamento dos interesses coletivos também os prejudica individualmente. Os jornalões compram e vendem esse discurso, essa mentalidade, influenciados ainda por interesses de seus velhos aliados, as velhas elites políticas e econômicas, e criam na população uma percepção distorcida da realidade que precisa ser desconstruída sob pena de perdermos cada vez mais nossas cidades para quem lucra com esse modelo.
*Imagens: Reprodução Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio e Metro.