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Violação do Plano Cicloviário e baixa qualidade na Dona Alzira

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Obra entregue não possui espaços distintos para pedestres e ciclistas, mas sim um passeio compartilhado.

O novo trecho da rua Dona Alzira, entregue à população na última quinta-feira, 6 de novembro, não possui espaços distintos para circulação de pedestres e ciclistas, mas sim um espaço compartilhado, algo que não está previsto na lei que institui o Plano Diretor Cicloviário (PDCI) de Porto Alegre. A obra, executada pelo grupo Walmart Brasil, como contrapartida a empreendimentos imobiliários, poucos dias depois de inaugurada já apresenta rachaduras graves e mesmo desmoronamentos (foto acima).

A via localizada na Zona Norte da Capital, está com toda sua extensão e gravames registrados como parte da rede estrutural do sistema cicloviário e portanto deveria incluir já ciclovia ou ciclofaixa conforme manda o art. 19 do PDCI:

“Art. 19 – Todos os projetos de construção ou expansão das vias públicas integrantes da Rede Cicloviária Estrutural deverão incluir a implantação do sistema cicloviário previsto, com toda a sinalização horizontal, vertical e semafórica necessária.”

Sinalização alerta que espaço deve ser compartilhado entre pedestres e ciclistas.
Sinalização alerta que espaço deve ser compartilhado entre pedestres e ciclistas.

Entretanto tudo que há no local é um passeio compartilhado entre pedestres e ciclistas, com sinalização demarcando esse compartilhamento. Mas segundo os próprios conceitos estabelecidos nos artigos 7º e 8º do PDCI, isso não pode ser considerado como parte do sistema cicloviário e portanto estaria em desacordo com a lei.
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Embates sobre o Centro Histórico – O trabalho do GT Rua Para Pessoas

O GT Rua para Pessoas foi criado pelo prefeito José Fortunati para estudar e implementar a fase 1 de um projeto proposto pela Mobicidade de ampliação dos espaços para pedestres no Centro Histórico de Porto Alegre, notadamente nas ruas Dr. Flores, Vigário José Ignácio e Marechal Floriano (confira galeria de imagens abaixo). Entretanto, a pressão da comunidade foi vista por Glênio Viana Bohrer do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (GADES), nomeado coordenador do GT pelo prefeito, como oportunidade para desenterrar alguns projetos já existentes de remodelação das ruas do centro.

As reuniões do GT têm mantido o foco na análise desses projetos e proposições de algumas modificações pontuais. Embora esses projetos possuam vários pontos positivos,  como o afunilamento e o nivelamento da via com o passeio  nos cruzamentos, eles possuem outros pontos que são opostos à idéia da Mobicidade de ampliar o espaço destinado aos pedestres e desestimular o uso do automóvel particular, como a abertura de uma via com duas faixas (6m de largura) no atual calçadão da Rua da Praia para circulação de veículos à noite e a ampliação das vagas de estacionamento também no período noturno. O problema desse tipo de medida, é que para funcionar depende do respeito dos condutores pela sinalização e de fiscalização constante.

Placa na rua Gal. Vitorino sinaliza que rua Vigário José Ignácio só pode ser utilizada após às 19h nos dias de semana.
Placa na rua Gal. Vitorino sinaliza que rua Vigário José Ignácio só pode ser utilizada após às 19h nos dias de semana,o que não é respeitado.

Atualmente a rua Vigário José Ignácio já funciona nesse modelo — só é permitida a passagem de automóveis particulares e o estacionamento após às 19h — mas o que ocorre é que temos carros estacionando e circulando por ali o dia inteiro. Segundo Glênio, para dar certo, a implementação teria que ser acompanhada de uma campanha de educação e fiscalização intensiva no local — o problema é que até hoje, não temos um único exemplo de campanha de educação ou fiscalização realizada pela EPTC que tenha dado resultados a longo prazo. O exemplo mais significativo, a campanha da mãozinha que tinha como objetivo o respeito à faixa de segurança pelos motoristas, foi descontinuada pelo poder público e esquecida pela população.

Bohrer afirma que a circulação de carros em baixa velocidade traria segurança à noite e poderia evitar o esvaziamento do centro depois de determinado horário. No entendimento da Mobicidade, essa é uma medida arriscada e ineficiente.

Estudo da EPTC de 2003 constatou que apenas 14% das pessoas acessam o Centro usando automóvel particular.
Estudo da EPTC de 2003 constatou que apenas 14% das pessoas acessam o Centro usando automóvel particular.
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Tabela mostra percentuais de pessoas que vão ao Centro, por modal de transporte. Dados de 2003 (EPTC).

Segundo estudo de 2003 feito pela própria EPTC apenas  14,74% das pessoas acessam o centro de carro, portanto, o esvaziamento noturno seria mais uma conseqüência da falta de transporte público nesse horário do que da falta de vagas de estacionamento. Ainda, acreditamos que o que dá segurança à noite é a circulação de pessoas que caminham pela rua. Quando  elas se deslocam de automóvel até a porta do seu imóvel ou sua garagem as ruas ficam mais vazias — fato observado facilmente em bairros de maior poder aquisitivo, onde quase todos possuem carro próprio, como Moinhos de Vento, Montserrat, Bela Vista, etc.  À noite, com raras exceções onde há presença de bares, restaurantes e casas  noturnas, as ruas desses bairros são completamente vazias, embora haja geralmente estacionamento permitido ao longo de toda a via e passagem de veículos o tempo inteiro. Em contraste, usuários do transporte público costumam fazer trajetos mais longos a pé, gerando movimento pelas ruas que passam.

Existem outras maneiras de incentivar a vida noturna no Centro sem necessariamente estimular o uso do automóvel particular. Vamos listar aqui algumas possíveis medidas:

  • Programas de incentivo à diversificação dos estabelecimentos comerciais da região — pode-se criar um programa para dar vida noturna ao Centro Histórico incentivando as novas instalações de restaurantes, lancherias, cafés, bares e casas noturnas que abram no período da noite — esse programa pode ter incentivos como redução de taxas, facilidade e agilidade na emissão das licenças, etc.;
  • Qualificação e iluminação adequada dos espaços públicos — espaços públicos confortáveis e adequados para se caminhar e estar, com iluminação adequada, jardins, assentos e demais mobiliário urbano atraem as pessoas para a rua;
  • Uso de parklets, decks e mesas no passeio público em determinados horários — é possível estudar a liberação para estabelecimentos comerciais instalarem parklets, decks, ou ao menos colocarem cadeiras e mesas na via pública depois de determinado horário.  Existe um grande número de lanchonetes e bares na região que se beneficiariam da medida e em troca gerariam mais movimento na rua à noite, aumentando a segurança dos transeuntes;
  • Intensificação e a qualificação do transporte público noturno — atualmente Porto Alegre sofre um toque de recolher entre os últimos horários de ônibus (em torno das 23h) e os primeiros horários de ônibus do dia seguinte (em torno de 5h, 6h da manhã). A ampliação dos horários e uma qualificação das paradas de ônibus (proteção contra o clima, assentos e iluminação) é uma medida mais eficiente para atrair pessoas que aumentar o número de vagas para automóveis particulares. A adoção de bilhetes únicos mensais também incentivará mais as pessoas a deslocarem-se pela cidade, sem ter que pagar a mais por isso;
  • Atividades culturais — é possível atrair pessoas para o Centro fora dos horários comerciais através de atividades culturais e incentivando a ocupação dos espaços públicos. Viradas culturais, shows ao ar livre, teatro, atividades circenses, aulas públicas, feiras e briques, projeções de filmes, performances artísticas, etc.;
  • Incentivo à comida de rua — incentivar que peruas e carrinhos que oferecem comida a preços acessíveis freqüentem o Centro à noite, bem como a nova moda de comida gourmet servida em traileres, pode ser um estímulo para que as pessoas permaneçam na região até mais tarde e ocupem as ruas.
Rua da Praia, altura da Praça da Alfândega, trecho que a Prefeitura pretende abrir para passagem de veículos.
Rua da Praia, altura da Praça da Alfândega, trecho que a Prefeitura pretende abrir para passagem de veículos.

Existem outras medidas possíveis também, que não listamos aqui. O fato é que autorizar a circulação de carros na Rua da Praia e aumentar o estacionamento de veículos à noite, é a menos eficiente e mais arriscada dessas medidas. Já apresentamos algumas dessas alternativas nas reuniões do GT ao que o coordenador, Glênio Bohrer, respondeu que essas medidas ultapassariam os poderes do grupo de trabalho, que se propõe meramente a redesenhar o espaço público. Bom, podemos então concluir que não cabe a este grupo preocupar-se com a ocupação do Centro à noite, já que as ações para tal superam o escopo de ações do GT e devemos então nos focar na qualificação dos espaços urbanos, com ênfase no pedestre.

Outro ponto crucial que necessitaria ser modificado no atual projeto da Prefeitura, é que ele não prevê o estreitamento da Dr. Flores. Em uma das reuniões do GT, fizemos uma caminhada pelas ruas em questão e pudemos constatar que só uma das duas faixas existentes na Dr. Flores é utilizada para o fluxo de veículos, a segunda faixa poderia então ser convertida em espaço para os pedestres sem causar grandes transtornos para quem já passa de carro pela região. Glênio Bohrer disse que a questão foi encaminhada à empresa que fez o projeto para verificar a possibilidade da modificação, mas ainda não tivemos nenhuma garantia que ela será implementada. Sem ela, o projeto perde muito, pois a Dr. Flores é, das vias analisadas, aquela onde o trânsito de pedestres é  mais complicado por falta de espaço adequado e o trânsito de automóveis têm um espaço muito superior ao necessário.

Um fato interessante da Dr. Flores e demais ruas tratadas no GT — Rua da Praia, Vigário José Ignácio e Marechal Floriano — é que, embora haja uma multidão de pedestres caminhando pela via, compartilhando o espaço com os automóveis, o índice de atropelamentos é zero. Pode parecer paradoxal, mas na verdade isso comprova a tese de que a falta de uma delimitação física clara entre o espaço destinado aos pedestres e aos veículos, incentiva os condutores a ter um comportamento mais prudente que nas vias onde há esse tipo de separação.

Exhibition Road, Londres, antes da remodelação.
Exhibition Road, Londres, antes da remodelação. Formato tradicional com meio-feio e sinalização.

É baseando-se nesses princípios que muitas das grandes cidades do mundo estão trocando meio-fio, gradil e intensa sinalização por espaços compartilhados, com pouca sinalização, onde o tráfego de pedestres e veículos se dá no mesmo nível. Foi o que Londres fez na Exhibition Road no bairro de Kensington em 2011, a maior rua desse tipo do Reino Unido, com 820 metros. Uma rua de intenso fluxo de pedestres, com grande afluxo de turistas, onde encontram-se diversos grandes museus da cidade.

Agora: motoristas tomam mais cuidade com os pedestres, pois inexistem separações físicas.
Agora: motoristas tomam mais cuidado com os pedestres, pois inexistem separações físicas.

O GT tem passado por discussões acaloradas e o quase rompimento do grupo, que mostram uma grande diferença de visão de cidade. A Prefeitura até agora não mostrou intenção de ceder na questão de incentivo à circulação de automóveis à noite, entretanto a Mobicidade não pretende endossar nenhum projeto que traga retrocessos, como a ampliação de vagas de estacionamento e a abertura do calçadão da Rua da Praia para a passagem de veículos. O pedestre tem constantemente perdido espaço para o automóvel nas últimas décadas, fato este que se agravou ainda mais na atual gestão do governo municipal: a rua Gal. Andrade Neves teve suas calçadas reduzidas, a Praça XV de Novembro perdeu espaço para a criação de um estacionamento, o Largo Glênio Peres foi transformado em estacionamento após às 19h, a Rua José Montaury está sendo aberta para a passagem de veículos, o Parque Marinha do Brasil, Parque da Harmonia e a Praça Júlio Mesquita perderam grande parte de suas áreas para o alargamento da Avenida Beira-Rio — só para citar os exemplos mais óbvios. Pouco a pouco, o pedestre vai perdendo espaço de circulação e a cidade vai perdendo seus espaços públicos de lazer e convíveio para a passagem de automóveis. A cidade não pode perder mais nem um centímetro de espaço para o automóvel. O projeto de remodelação das ruas do Centro Histórico é muito caro para nós, mas não apenas o abandonaremos, como faremos de tudo para que ele seja enterrado, caso ele seja distorcido a ponto de trazer qualquer retrocesso na disputa por espaço para os pedestres em Porto Alegre.

Esclarecimento sobre a posição da Mobicidade a respeito do PLCE 010/2013

Prezados vereadores, prezadas vereadoras, caro Prefeito, estimada população de Porto Alegre,

Buscando o mútuo entendimento e a busca de um consenso, a Mobicidade vem por meio desta prestar esclarecimento sobre a sua posição a respeito do PLCE 010/2013 − que cria o Fundo Municipal de Apoio ao Plano Cicloviário (FMASC) e revoga o artigo 32 do PDCI, dispositivo que obriga o Executivo a investir 20% do valor arrecadado em multas de trânsito em campanhas educativas e na construção de ciclovias.

A Mobicidade apóia a criação do Fundo Municipal de Apoio ao Plano Cicloviário, mas entendemos que o projeto de lei em questão possui dois problemas extremamente sérios.

O primeiro deles é a revogação do artigo 32 do PDCI − A manutenção deste artigo é imprescindível, pois é a única garantia legal de investimentos permanentes em campanhas educativas de trânsito e na construção de ciclovias. Não existe outro dispositivo que reserve fundos para campanhas de educação para o trânsito. Existem duas outras fontes de recursos previstas no PDCI para a construção de ciclovias:
as contrapartidas por vagas de estacionamento criadas (100m de ciclovia para cada 20 vagas) e a criação obrigatória de ciclovias na abertura de novas ruas e alargamento de vias.

Entretanto, não podemos ficar reféns da construção de mais estacionamentos e mais vias para os automóveis. Em primeiro lugar porque a construção destes faria aumentar ainda mais a circulação de automóveis particulares nas vias de Porto Alegre, intensificando os congestionamentos, a poluição do ar, poluição sonora, etc. Em segundo lugar porque a construção destes não é garantida a médio e longo prazo − vivemos neste momento um boom imobiliário, mas nada garante que ele persistirá por muito mais tempo, pelo contrário, especialistas já indicam que o mercado está saturando. Além disso, uma cidade com visão de futuro, investe no transporte coletivo e nos modais não motorizados.

O segundo grande problema do PLCE 010/2013 é a criação de um conselho gestor para o FMASC que não é paritário. Entendemos que a sociedade civil precisa ter voz e influência dentro do conselho, e a constituição prevista no PL atual não garante essa influência.

Estamos dispostos a apoiar a aprovação do PLCE 010/2013, mas para isso é preciso garantir que esses dois pontos sejam corrigidos e portanto é necessária a aprovação das emendas nº 05, 07 e 15 − que, respectivamente, criam um conselho gestor paritário, excluem a revogação do artigo 32 e garantem a representatividade das entidades da sociedade civil. Com essas alterações criamos uma lei positiva e mantemos o protagonismo do governo na autoria do FMASC.

Por que não apoiamos a emenda nº02, do vereador Cássio Trogildo? Porque essa emenda não substitui o artigo 32 pois sua redação leva a entender que o dinheiro virá do orçamento do município e não das multas, quando afirma que o executivo fará investimento “equivalente” a 20% das multas − sendo portanto insconstitucional, visto que uma emenda proposta por um vereador não pode vincular verba orçamentária, mesmo que sancionada pelo prefeito. Além disso a emenda no02 permite que sejam abatidos dos 20% todos os valores utilizados na construção de ciclovias em obras de duplicação e abertura de vias − reduzindo drasticamente os recursos atualmente disponíveis.

Pior ainda são as emendas nº17 e 18 que ainda querem descontar do montante dos 20% campanhas que priorizem o pedestre e o acesso universal. A Mobicidade já deixou claro que defende os direitos dos pedestres e pessoas com dificuldade de locomoção ao apresentar projeto de revitalização do Centro Histórico que prioriza e qualifica o espaço de quem se desloca a pé − mas é uma injustiça total fazer com que pedestres, ciclistas e pessoas com dificuldade de locomoção lutem entre si por recursos que não somam nem 0,1% do orçamento do município, enquanto o governo gasta centenas de milhões de reais na construção de viadutos, trincheiras e duplicação de avenidas, obras que beneficiam apenas uma minoria, que se desloca de automóvel particular.

É injusta também a emenda nº12 da bancada do PP, que sujeita a criação de novas ciclovias à aprovação popular. Somos totalmente a favor da participação popular, mas que ela se aplique a todas modificações nos espaços públicos e não apenas àquelas em que convém a interesses de certos grupos. Por que não foi ouvida a população dos arredores do Gasômetro sobre a duplicação da Av. Beira-Rio e do corte de 200 árvores? Por que não ouviram os moradores da Anita Garibaldi e da Cristóvão Colombo sobre a construção de trincheiras nos seus bairros? Por que não ouviram os moradores da Avenida Tronco sobre as obras daquela avenida e a remoção de centenas de famílias? Que crie-se uma lei específica que exija a aprovação popular em todas futuras obras viárias, não apenas na construção de ciclovias que, por sinal, causam um impacto muito menor nas vias onde são implementadas.

Vamos criar o Fundo Municipal de Apoio ao Plano Cicloviário! Vamos aprovar o projeto do Executivo com as emendas 05, 07 e 15 e fazer história na Câmara com a união entre situação e oposição e mostrar que o diálogo é mais forte que as disputas entre partidos e que o interesse em construir uma cidade para as pessoas é de todos, indiferente de filiação partidária.

Sinceramente,
Mobicidade — Associação Pela Mobilidade Urbana em Bicicleta
www.mobicidade.org

Mais mortes: que falta faz a educação.

Carta da Mobicidade sobre as duas mortes no trânsito no dia 15 de maio.
Mais uma pessoa morreu em Porto Alegre por ousar utilizar a bicicleta como meio de transporte. Ainda com identidade desconhecida, o indivíduo foi atropelado na Avenida Sertório, na noite de segunda-feira na Zona Norte da Capital – a segunda morte na mesma avenida no mesmo dia, pois mais cedo morreu uma motociclista de 19 anos naquela via. Ambas as mortes provavelmente poderiam ter sido evitadas, houvessem campanhas permanentes, abrangentes e eficientes de educação para o trânsito. Assim como as outras dezenas de mortes de pedestres, ciclistas e motociclistas – os mais frágeis no trânsito.
Se por um lado o investimento em educação para o trânsito é baixo, pelo outro o Executivo Municipal e a bancada governista na Câmara de Vereadores estão querendo reduzí-los ainda mais, obstinados que estão em aprovar o PLCE 010/2013, com suas inúmeras emendas, que reduz ainda mais a verba para esse tipo de campanha. Não se dão conta de que investir em educação para o trânsito e construção de ciclovias gera economias.
Gera economia, pois poupa dinheiro e recursos da saúde pública: 62% dos leitos de traumatologia no Brasil são ocupados por vítimas de trânsito, e anualmente o município de Porto Alegre gasta mais de R$360 milhões por ano para tratar doenças causadas pela poluição do ar¹ oriunda das emissões dos automóveis. Educando os atores do trânsito, mas especialmente os condutores de veículos motorizados, que causam os maiores danos físicos pela soma de peso e velocidade, teremos menos ocorrências, entre acidentes e crimes de trânsito, menos feridos e,portanto mais leitos livres nos hospitais e o uso de menos recursos para tratar essas pessoas. Com mais ciclovias, daremos uma opção de transporte não poluente para as pessoas, além de garantir a segurança de quem optar pela bicicleta.
Todos os anos, os desastres no trânsito causam um prejuízo de cerca de R$40 bilhões ao país, mais do que a soma total dos investimentos em saúde e educação, que é pouco maior que R$30 bilhões. Se conseguirmos reduzir essa soma, poderemos vir a dobrar os investimentos na saúde e na educação públicas.
Estamos cansados de pendurar bicicletas brancas. Estamos cansados de ir toda semana à Câmara Municipal tentar evitar que o governo retire verbas que ajudam a construir uma cidade mais segura e humana para todos.
¹ – Segundo pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde Porto Alegre (UFCSPA)

Não é só por 30 segundos — Carta Aberta de Mauri Cruz ao Prefeito Fortunati

Esta carta foi publicada originalmente no Sul21.

Prezado Prefeito,

Que o Brasil vive uma verdadeira revolução social, isto todos nós já nos damos conta. As mudanças estão espalhadas por todos os lados que se olhe, escute ou leia. Eu mesmo ontem (29/04) vivi um momento bem típico deste novo Brasil. Quando retornava da cidade do Rio Grande fui surpreendido por um boqueio da rodovia pelos moradores que atearam fogo em pneus para protestar contra as mortes por atropelamentos que passaram a acontecer com a duplicação da via e pelo aumento de fluxo de veículos que atendem a demanda do Porto de Rio Grande. Passado mais de uma hora sem que a PRF aparecessem para mediar a situação, centenas de trabalhadores do Porto, que retornavam para casa em ônibus fretados que estavam igualmente retidos no protesto, desceram e foram pressionar os manifestantes para que liberassem a pista. Depois de uma negociação tensa, tudo se resolveu. A pista foi parcialmente liberada e o protesto seguiu. Este é o novo Brasil, onde cada brasileiro sente-se protagonista do que está acontecendo. Não há um sentimento de agradecimento a este ou aquele governante, pelo contrário, há um desejo concreto de cada um em assumir o controle dos temas que são de interesse de tod@s.

O senhor poderia perguntar: que relação esta história tem com a aprovação do tempo mínimo de 30 segundos nos semáforos de pedestres em Porto Alegre? Na minha opinião, toda relação. A conquista dos pedestres de terem, no mínimo, 30 segundos de tempo para cruzar uma via é a mesma reinvindicação daqueles moradores que querem o direito de uma travessia segura ou dos usuários do sistema de fretamento que querem o direito de retornar para casa depois de um longo dia de trabalho. Em Porto Alegre, o que a lei pretende garantir é a democratização do espaço urbano que é, legalmente, de todos e que tem sido apropriado, sequestrado, pela parcela da sociedade que detém os automóveis.

Aliás, nunca na história desta cidade ficou tal transparente a divisão que é imposta pelo planejamento da mobilidade, entre os usuários do sistema viário onde aqueles que usam automóveis, tem prioridade absoluta em relação aos demais usuários que estão em outros modos de transportes. A prioridade é tão vantajosa para os automóveis que a simples garantia de 30 segundos para a travessia dos pedestres gerou um caos no fluxo do trânsito. O absurdo é que a culpa do caos foi impingida aos pedestres e não ao excessivo número de veículos que circulam ao mesmo tempo numa mesma via. Diga-se de passagem, que o transporte coletivo sofreu com os congestionamentos porque, também ele, precisa dividir espaço com os automóveis tendo prioridade apenas nos pouco mais de 50 quilômetros de corredores exclusivos que existem na cidade.

É importante que o Senhor reconheça que no segundo dia do denominado teste, o trânsito fluiu melhor, não houve o mesmo caos e a cidade, aos poucos, se adaptou. O dia pode ser considerado quase normal. Aliás, é louvável a capacidade da EPTC em alterar de forma eficiente, em menos de 12 horas, os ciclos de tempos de mais de 200 semáforos demonstrando a grande capacidade operacional da nossa empresa pública. No entanto, é preciso reconhecer, que as alterações comprometeram o sincronismo em várias vias estruturais o que pode ter sido uma das principais causas do caos do primeiro dia do teste.

Aliás, se parte dos usuários dos automóveis decidissem migrar para o transporte coletivo, o que é desejável, tenho convicção que, num primeiro momento, o sistema também sofreria um colapso. Mas, com o tempo, certamente a EPTC saberia adequar a oferta de viagens a nova demanda de passageiros. É isso que iremos assistir mantendo o direito dos pedestres em ter uma travessia segura e tranquila.

Por isso, apelo para que o senhor sancione a lei sem vetos consolidando o direito garantido pela unanimidade dos votos dos vereadores de Porto Alegre. Esta é a decisão acertada. Que oriente a EPTC sobre a necessária tarefa de reprogramar o sincronismo entre os semáforos. E que não se impressione com a pressão expressa pelos meios de comunicação. Infelizmente, grande parte da mídia brasileira ainda não está preparada para um país mais justo e igualitário. Quanto aos motoristas, nos cabe alertá-los que os congestionamentos são provocados pelo excessivo número de veículo e não pelo excessivo número de semáforo para os pedestres.

Como disse inicialmente, o país vive uma revolução social onde o povo brasileiro aprendeu que tem direito a ter direitos. Mais que isso, aprendeu que estes direitos estão garantidos nas modernas leis que os tão criticados parlamentos tem aprovado. Essa revolução democrática é, essencialmente, uma revolução urbana porque é nas cidades onde se materializam de forma mais evidente a segregação e a desigualdade social. A vitória dos pedestres em Porto Alegre deixa claro que não é apenas pelos 30 segundos que a população está mobilizada. Ela quer o direito à igualdade numa sociedade profundamente desigual. Está é, a meu ver, a reflexão necessária sobre a verdadeira mudança que estamos promovendo.

Mauri Cruz é advogado socioambiental com especialização em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e mobilidade urbana. Diretor Regional da Abong, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES/RS.


 

Obs.: O autor da carta menciona um “segundo dia do denominado teste”, até onde temos informação o prefeito cancelou os testes após apenas um turno de experiência. Entretanto concordamos a idéia do autor de que com a permanência dos 30 segundos por mais tempo o trânsito teria fluído com mais facilidade principalmente por dois motivos:

  • Com o tempo a EPTC iria ajustando os semáforos para uma melhor adaptação ao tempo prolongado de travessia para os pedestres. O trânsito é algo extremamente complexo e uma mudança radical não se ajusta com apenas meia jornada de testes. A própria temporização atual dos semáforos é fruto de anos de experimentação e ajustes pela EPTC, e mesmo assim ainda ocorrem congestionamentos com grande freqüência;
  • Com mais tempo, os usuários dos diversos modais de transporte se adaptariam à mudança, que não pode ficar apenas na temporização das sinaleiras. Existe a urgência da implementação de mais faixas exclusivas para ônibus para que ocorra a
    necessária priorização do transporte público, e para que as pessoas tenham uma
    real alternativa para evitar os congestionamentos, que são causados pelo excesso de automóveis particulares, cuja compra é estimulada por incentivos fiscais e pela própria incompetência na gestão do transporte coletivo.

Jornais de Porto Alegre comemoram problemas em teste de regra que defende pedestres

Alexandre Haubrich – Jornalismo B

A terça-feira em Porto Alegre foi de teste de uma regra que poderia garantir pelo menos 30 segundos para que os pedestres atravessem as ruas. A quarta-feira foi de manchetes que, em outras palavras, garantem: a culpa dos congestionamentos é de quem anda a pé. Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio e Metro noticiaram um caos que, segundo ele, foi causado pelo teste, tentando enterrar, junto com o prefeito José Fortunati (PDT) e o diretor da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Capellari, a possibilidade de que quem anda a pé na capital gaúcha tenha pelo menos 30 segundos para atravessar as ruas.

A ideia partiu de uma emenda proposta pela bancada do PT – construída pelo gabinete do vereador Marcelo Sgarbossa (PT) – ao Estatuto do Pedestre, de autoria do vereador Nereu D’Ávila (PDT), aprovado na Câmara de Vereadores em fevereiro. Fortunati já anunciou que vai vetar a emenda, em um movimento que já ficava claro nos dias pré-teste. Na terça (29) a emenda foi posta em teste, e o resultado alardeado foi de “caos” no trânsito. Vejamos as manchetes ou chamadas de capa:

Zero Hora – “Se engarrafa nos 30 – Porto Alegre testou por algumas horas programar em meio minuto as aberturas das sinaleiras de pedestres. O resultado foi polêmico”

ZH

Correio do Povo – “Os 30 segundos que pararam Porto Alegre – Teste em sinaleiras causou uma série de engarrafamentos na Capital”

CP

Jornal do Comércio – “Teste de tempo nas sinaleiras causa caos na capital”

JC

Metro – “Parou tudo – Teste de proposta que obriga tempo mínimo de 30 segundos para os pedestres, nas sinaleiras, congestiona o trânsito da Capital”

Metro

Todos os quatro jornais trazem na forma de noticiar o resultado uma posição clara de culpabilização do teste pelos engarrafamentos. Não consideram que todos os sintomas que destacam – “engarrafamentos”, “caos”, “congestionamento” – são cotidianos em Porto Alegre, com ou sem a regra dos 30 segundos. Zero Hora não traz foto na capa a respeito desse tema, mas as fotografias publicas por Correio do Povo, Jornal do Comércio e Metro, que mostram carros enfileirados em engarrafamentos, poderiam perfeitamente ter sido feitas em qualquer dia da semana. Uma foto do Metro mostra inclusive uma infração de trânsito, com um carro parado sobre uma faixa de segurança. A bancada do PT divulgou uma nota na qual critica a forma como o teste foi conduzido, manifestando estranheza por algumas opções da EPTC. Mas, para os jornalões, a culpa é do pedestre e de quem quer possibilitar a quem anda a pé um pouco mais de tempo para passar pelo local que se transformou altar sagrado dos carros particulares: a rua.

Há toda uma construção discursiva da velha mídia em torno de um velho modelo de cidade. O “carrocentrismo” conduz o olhar desse setor midiático. Quando ciclovias são construídas, mesmo que de forma absolutamente limitada, o discurso é de ataque à redução de faixas para os carros ou de locais de estacionamento. Se as ciclovias são construídas sobre calçadas, por outro lado, não há problema. É o mesmo discurso que se aplica ao caso em questão, que se conecta diretamente com os setores de classe média que operam socialmente a partir de um senso comum conservador, repelente a mudanças e que se apega a seus bens e seus usufrutos individuais, sem pensar coletivamente e sem perceber como o atropelamento dos interesses coletivos também os prejudica individualmente. Os jornalões compram e vendem esse discurso, essa mentalidade, influenciados ainda por interesses de seus velhos aliados, as velhas elites políticas e econômicas, e criam na população uma percepção distorcida da realidade que precisa ser desconstruída sob pena de perdermos cada vez mais nossas cidades para quem lucra com esse modelo.

*Imagens: Reprodução Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio e Metro.

Com ou sem os 30 segundos, priorizar o pedestre é urgente

Jornal Metro, 29 de abril de 2014
Metro, 29/4/2014

 

Embora possa-se discordar se o teste do tempo mínimo de 30 segundos para a travessia de pedestres nos semáforos — que levou o prefeito José Fortunati a anunciar que iria vetar a emenda — foi feito da maneira mais apropriada, não resta dúvida que as pessoas que caminham por Porto Alegre acham que o tempo para travessia em grande parte dos semáforos é insuficiente, tendo havido diversos testemunhos na mídia e nas redes sociais de pedestres que não conseguem atravessar a rua no tempo estipulado atualmente e até mesmo de motoristas de táxi e de ônibus que acham que o tempo para pedestres é pouco. Isso mostra que os parâmetros técnicos utilizados pela EPTC não são apropriados à nossa realidade e ao conceito de cidade para as pessoas.

É preciso uma reavaliação desses parâmetros de modo a colocar a segurança do pedestre acima do mero fluxo de veículos. Isso pode ser feito através de leis, ou pode ser feito apenas com a decisão do prefeito e do Secretário Municipal de Transportes de humanizar o trânsito e adotar outra série de medidas. Enquanto associação e representante da sociedade civil, a Mobicidade tem interesse em participar desse urgente debate – o tempo que perdemos é medido em vidas.

Entretanto, é ilusão pensar que é possível qualificar o trânsito de pedestres sem qualquer tipo de impacto no trânsito de automóveis, pois o fluxo rápido de um grande número de carros particulares é incompatível com a segurança e priorização do pedestre. A cidade precisa fazer escolhas.

Acreditamos que a implementação de uma política favorável ao pedestre tem que ser acompanhada de políticas de incentivo ao transporte coletivo e ao uso da bicicleta. Se houvesse faixas exclusivas para ônibus em avenidas como Loureiro da Silva, Borges de Medeiros, Salgado Filho, Ipiranga, Azenha e Mauá, o impacto negativo do tempo extendido para pedestres no deslocamento do transporte coletivo seria muito reduzido.

Jornal Metro, 30 de abril de 2014.
Metro, 30/4/2014.

Mas isso faria com que os impactos fossem ainda maiores no trânsito de automóveis particulares — essa é a escolha que precisa ser feita. Vamos ficar nos preocupando em garantir a fluidez de um imenso número de carros, que raras vezes transportam mais de uma pessoa, ou vamos nos focar em construir uma cidade agradável para as pessoas, com foco no trânsito de pedestres, ciclistas e transporte coletivo? Esse último é o modelo mais moderno de cidade, que está sendo adotado nas grandes cidades de todo o mundo, e é o modelo que já prevê o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre, que diz:

“A Estratégia de Mobilidade Urbana tem como objetivo geral qualificar a circulação e o transporte urbano, proporcionando os deslocamentos na cidade e atendendo às distintas necessidades da população, através de:

  1. prioridade ao transporte coletivo, aos pedestres e às bicicletas;”
Jornal Metro, 30 de abril de 2014
Jornal Metro, 30/4/2014

A grande questão, que ainda falta ser compreendida por parte da população e veículos de comunicação, é que o trânsito de automóveis particulares se auto-regulamenta: se fica muito complicado ir de carro a determinada área da cidade, torna-se mais atrativo usar o ônibus, a bicicleta ou caminhar, e dessa maneira muitos migram de modal e passam a deixar o carro na garagem, até o ponto em que o fluxo de automóveis vai ter uma velocidade aceitável novamente.

Se queremos um trânsito mais eficiente, seguro e humano, precisamos quebrar paradigmas e ter coragem de enfrentar algumas complicações no curto prazo, que trarão enormes benefícios no longo prazo.

A ponte de São Paulo que aumenta as distâncias.

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Artigo publicado originalmente no site Failed Architecture

Considerada por arquitetos um grande fracasso devido a uma série de razões – de sua feiúra patente à sua incapacidade de operar em escala urbana – A ponte Octavio Frias de Oliveira  conseguiu o que era , aparentemente, o seu principal objetivo: a tarefa de criar uma imagem de cidade global para São Paulo enquanto escondias as graves contradições e conflitos da cidade.

A ponte Octavio Frias de Oliveira – nomeada em homenagem ao empresário brasileiro responsável pela criação de um dos meios de comunicação mais influentes do Brasil , o conglomerado Grupo Folha – foi inaugurada em 10 de maio de 2008. A cerimônia, que contou principalmente por políticos e empresários de alto nível , foi acompanhada por uma pequena manifestação contra a proibição de pedestres e bicicletas na ponte.

Acesso à ponte: circulação de pedestres e bicicletas é proibida. Foto: André Pasqualini / CicloBR
Acesso à ponte: circulação de pedestres e bicicletas é proibida. Foto: André Pasqualini / CicloBR

A exclusividade dada ao transporte individual motorizado só não surpreende pela inexistência de ciclovias ou calçadas. Ao invés de ser uma ponte urbana – caracterizada pelo fluxo de pedestres, bicicletas e transporte público, juntamente carros em velocidade mais baixa -, esta ponte estaiada em particular foi concebida como uma obra de infra-estrutura em escala metropolitana, conectando vias expressas ao invés de bairros. Como resultado, a ponte é (mais) um elemento de infra-estrutura de São Paulo que fornece articulações em grande escala – e, neste caso, apenas para o transporte individual – enquanto dificulta a acessibilidade local.

Em uma cidade já congestionada pelo número excessivo de carros, e onde a distância média entre as pontes sobre  os principais rios da cidade é de cerca de 2 km, devemos realmente investir uma grande fatia do orçamento do governo – 113 milhões de dólares , na época – em um obra pública extravagante que nem sequer ligar os bairros nas margens opostas, nem permite que as pessoas a atravessem a pé, de bicicleta ou no transporte público?

Mapa das centralidades de São Paulo. Fonte: H. Frugoli Jr., EdUSP, 2006

Mapa das centralidades de São Paulo. Fonte: H. Frugoli Jr., EdUSP, 2006

 

Investigando o processo

A construção da ponte Octávio Frias de Oliveira foi parte de um processo mais amplo iniciado pela ” Operação Urbana ” Água Espraiada (um instrumento jurídico para política urbana), que pretendia criar uma nova centralidade terciária em São Paulo. Esta nova centralidade designada seria desenvolvida na planície do rio Pinheiros, que já foi um grande pântano com propriedades muito baratas (cujos preços, como resultado, cresceram exponencialmente nas últimas duas décadas).

“Operações Urbanas” permitem grandes transformações em uma área especifica por meio de associações com investidores privados. Nessas áreas, os regulamentos urbanísticos, como o índice de construção pode ser muito maior, mediante o pagamento de uma “contrapartida onerosa”.  A acumulação de contrapartidas gera recursos que devem ser investidos na mesma área, fornecendo infra-estrutura, habitação social, espaços públicos e outros itens que não são comumente oferecidos pelo mercado imobiliário.

Demolição da favela Jardim Edite. Foto: Revista Época.
Demolição da favela Jardim Edite. Foto: Revista Época.

No caso da ‘Operação Urbana’ Água Espraiada, a maioria dos recursos foram investidos em infra-estrutura rodoviária, minando a importância de fornecer habitação social para o grande número de moradores locais que tinham sido removidos. Um valor seis vezes maior foi gasto com a própria ponte do que com o complexo de 252 unidades habitacionais e equipamentos sociais públicos (creche, restaurante-escola e centro de saúde), que foi recentemente – e ainda parcialmente – inaugurado. Enquanto que todas as favelas da região foram demolidas, apenas 5% dos habitantes locais permaneceram na área, para dentro neste novo complexo. A grande maioria, no entanto, acabou expulsa e mudou-se para outras favelas na periferia da cidade, longe da vista das elites.

A ponte como um ícone ideológico

A ponte Octávio Frias de Oliveira funcionou como um projeto âncora na requalificação da Avenida Berrini, como uma nova centralidade em São Paulo. Junto de um complexo de edifícios corporativos ao longo do rio Pinheiros, ela criou o cenário perfeito para São Paulo ser vista como uma cidade global, com uma economia atraente, competitiva e proeminente.

Capa da revista Outlook São Paulo de 2013: um ícone de São Paulo como cidade global.
Capa da revista Outlook São Paulo de 2013: um ícone de São Paulo como cidade global.

A idéia de uma cidade global, transmitida por esta paisagem deslumbrante – idêntica a muitas outras por todo o mundo -, foi imposta como um consenso pelos principais agentes da cidade. Fascinados pela idéia de possivelmente viverem em uma ‘cidade alfa’ como Nova York, Londres ou Tóquio, a maioria da população de São Paulo legitimou esta despesa pública desproporcional. A ponte estaiada, como é mais conhecida, é agora celebrada pela maioria dos paulistas como principal cartão postal da cidade.

Há, no entanto , uma enorme diferença entre essa imagem de São Paulo como uma cidade global e a realidade que ela tenta esconder: a cidade com profundas contradições dentro de suas condições urbanas, onde as diferenças sociais podem ser radicalmente íngremes. O trabalho de construir esta ponte enquanto varre para fora da vista as favelas e seus moradores e despreza a mobilidade urbana e a conectividade revela até que ponto ainda é possível ampliar as distâncias físicas e sociais em São Paulo.

Giselle Mendonça estudou arquitetura e urbanismo na Universidade de São Paulo. Anteriormente, trabalhou no escritório de arquitetura MMBB e está atualmente trabalhando na SP- Urbanismo, empresa pública ao lado do Departamento de Desenvolvimento Urbano de São Paulo.

Marcela Ferreira também estudou arquitetura e urbanismo na Universidade de São Paulo e está atualmente trabalhando em projetos urbanos em Vigliecca & Associados, em São Paulo. Ela já colaborou anteriormente com OMA em Roterdãm e Nova York.