O novo trecho da rua Dona Alzira, entregue à população na última quinta-feira, 6 de novembro, não possui espaços distintos para circulação de pedestres e ciclistas, mas sim um espaço compartilhado, algo que não está previsto na lei que institui o Plano Diretor Cicloviário (PDCI) de Porto Alegre. A obra, executada pelo grupo Walmart Brasil, como contrapartida a empreendimentos imobiliários, poucos dias depois de inaugurada já apresenta rachaduras graves e mesmo desmoronamentos (foto acima).
A via localizada na Zona Norte da Capital, está com toda sua extensão e gravames registrados como parte da rede estrutural do sistema cicloviário e portanto deveria incluir já ciclovia ou ciclofaixa conforme manda o art. 19 do PDCI:
“Art. 19 – Todos os projetos de construção ou expansão das vias públicas integrantes da Rede Cicloviária Estrutural deverão incluir a implantação do sistema cicloviário previsto, com toda a sinalização horizontal, vertical e semafórica necessária.”
Entretanto tudo que há no local é um passeio compartilhado entre pedestres e ciclistas, com sinalização demarcando esse compartilhamento. Mas segundo os próprios conceitos estabelecidos nos artigos 7º e 8º do PDCI, isso não pode ser considerado como parte do sistema cicloviário e portanto estaria em desacordo com a lei.
“Art. 7º – Constituem elementos integrantes do sistema cicloviário:
A rede de ciclovias, ciclofaixas e faixas compartilhadas, com traçados e dimensões de segurança adequada, bem como sua sinalização;
[…]
Art. 8º – Para efeitos desta Lei, consideram-se:
2. ciclovia toda pista destinada ao trânsito exclusivo de bicicletas, aberta ao uso público, separada da via pública de tráfego motorizado e da área destinada aos pedestres;
3. ciclofaixa toda faixa destinada ao trânsito exclusivo de bicicletas, aberta ao uso público, demarcada na pista de rolamento ou nas calçadas por sinalização específica;
4. via de tráfego compartilhado toda via aberta ao uso público, com pista compartilhada para o trânsito de veículos motorizados e de bicicletas;”
Há, portanto, uma clara violação da lei do Plano Cicloviário uma vez que a via deveria ter estrutura cicloviária, e a lei não considera passeios compartilhados com o pedestre como parte do sistema cicloviário.
Mas os problemas não param por aí. Inaugurada há poucos dias, a obra recém feita já apresenta sinais graves de degradação e da má qualidade de execução: concreto rachado e quebrado com partes soltas, buracos, etc.
Em alguns pontos, já esburacados, o concreto do passeio público aparenta ter menos de 1cm de espessura, por baixo do qual já aparecem materiais como madeira, presos sob a pavimentação.
O espaço por onde devem passar as bicicletas também passa rente aos imóveis, a maioria residências, apresentando risco para quem entra ou sai de sua propriedade. Uma dessas propriedades é a de João Paulo Henrique da Cunha, morador da região há 40 anos, que não se agradou com a qualidade da obra e com o projeto. Está preocupado também com a dimensão da via, que indica a alta velocidade dos carros que passarão por ali no futuro: “Fizeram uma rodovia aqui, vai ser um perigo para as crianças”. A via possui três faixas com cerca de 3,2m cada uma, é completamente reta, o que induz os motoristas a conduzirem em alta velocidade. Isso provavelmente levará a administração pública a instalar pardais no futuro para controlar a velocidade, como foi feito recentemente na Av. Beira-rio. Seria mais eficiente para controlar a velocidade já desenhar a rua de maneira a desincentivar velocidades acima da permitida, que provavelmente será de 60km/h.
No total a área destinada aos automóveis tem mais de 18m de largura, enquanto os pedestres contam com cerca de 2m de um dos lados da via, e a mesma coisa do outro lado para ser compartilhada com ciclistas. A ausência de qualquer indicação de estrutura para transporte público e coletivo também chama a atenção. Tudo indica que mesmo tendo a folha em branco para projetar uma via até então inexistente os planejadores do município continuam priorizando o transporte motorizado individual, relegando a segundo plano o deslocamento de pedestres, ciclistas e o transporte público, desmentindo por vez a afirmação da EPTC de que as ciclovias da cidade não são o ideal por que estariam lidando com uma cidade que já está com sua malha viária constituída.
É marcante também que em todos 700m de passeio não existe um único espaço reservado para o plantio de árvores, o que não apenas mostra um descaso completo com as questões ambientais, mas também com o conforto dos pedestres e ciclistas que terão que deslocar-se por centenas de metros sob o sol durante os meses mais quentes do ano.